Por: Fernando Kopper – jornalista
Outro dia, sentei no sofá para assistir desenho com meu filho. Era um episódio antigo do Pica-Pau. Em uma das cenas, o personagem aparecia digitando numa máquina de escrever, fumando e tomando café — visivelmente exausto, com tremores, ansioso, cansado de tudo. Aquilo me pegou de um jeito estranho. Porque, na minha cabeça de adulto, era impossível não enxergar ali um espelho do próprio criador do desenho, como se ele tivesse projetado seu desgaste no personagem. Meu filho, claro, riu da cena. Eu, por outro lado, fiquei pensativo.
Nesta madrugada, perdi o sono às 1h45. Levantei, fui até o escritório, fechei a porta e me pus a trabalhar. Coloquei tarefas em dia, rascunhei ideias para atender melhor meus clientes, escrevi chamadas de notícias… e, no meio disso tudo, comecei esta coluna. E foi inevitável pensar: quantas vezes meu pai fez a mesma coisa? Quantas noites ele passou acordado, tomando café sozinho na varanda ou vendo qualquer coisa na televisão, sem prestar atenção de fato, apenas esperando o sono voltar — ou as preocupações irem embora?
Hoje sou eu quem ocupa esse lugar. Me preocupo, perco o sono, penso no futuro dos meus filhos, nos boletos, nas promessas que fiz, nas decisões que preciso tomar. É como se, com o tempo, a vida programasse a gente para assumir esse papel. Sem que a gente perceba, a rotina, o peso das responsabilidades e o amor pelos nossos se misturam e nos transformam.
De repente, você acorda no meio da noite e descobre que virou seu próprio pai.
Até o Pica-Pau me parece um adulto cansado agora. E fico imaginando: será que o cartunista estava em crise quando desenhou aquele episódio? Nunca saberemos. Mas talvez nem precise saber. Porque no fim das contas, a vida — essa matrix complexa — acaba reprogramando cada um de nós. E quando menos esperamos, o código-fonte dos nossos pais já está rodando dentro da gente.