O campo gaúcho vive um dos períodos mais delicados dos últimos anos. Mesmo com o calendário de plantio da soja oficialmente aberto desde 1º de outubro, produtores rurais em diversas regiões do Rio Grande do Sul enfrentam dificuldades para iniciar a safra 2025/26. A falta de crédito, o endividamento acumulado e a escassez de insumos estão levando agricultores a reduzir áreas, devolver lavouras arrendadas e tentar manter a produção apenas com o que restou em estoque.
O estado, segundo maior produtor de soja do país ao lado do Paraná, ainda sente os impactos das estiagens consecutivas registradas entre 2022 e 2023 e das enchentes devastadoras de 2024. Agora, o desafio é de ordem financeira: o crédito rural praticamente desapareceu, e muitos produtores relatam negativa de financiamento por parte dos bancos.
Em Cachoeira do Sul, o produtor Armindo Crestani descreve o cenário como “crítico”. Segundo ele, o CPF foi negativado após tentativas frustradas de renegociação. “A gente perdeu o crédito e não tem condição de plantar toda a área. Vamos entregar campo e plantar o que der”, afirmou. Situação semelhante vive Fábio Santos, de São Vicente do Sul, que critica a postura das instituições financeiras: “Produtor é bom para o banco quando compra consórcio e seguro. Mas, quando precisa de ajuda, não serve mais.”
A dificuldade para honrar pagamentos de arrendamento tem levado muitos a devolver terras, o que compromete o acesso a novos financiamentos, já que as áreas servem como garantia para o crédito rural. Em Tapes, o agricultor Dimitrius José relata que “renegociou a renegociação”, mas segue sem crédito. “Entreguei parte das áreas e sigo sem garantia para novos empréstimos. Ainda estou sem sementes, adubo e defensivos”, conta. Em Alegrete, Marcelino Michelotti afirma que, mesmo após renegociar dívidas por três anos, também foi bloqueado nas linhas de crédito. “Pretendo manter a área, mas não tenho insumos nem condições de ampliar o plantio.”
Na fronteira com o Uruguai, em Bagé, o produtor Jeferson Scheibler resume a situação como “insustentável”. “As calamidades vieram uma atrás da outra. Falta sensibilidade do governo e dos bancos para entender que o produtor não tem culpa”, desabafa.
Governo promete ajuda, mas recursos ainda não chegam
Em setembro, o governo federal anunciou a Medida Provisória 1314, que prevê R$ 12 bilhões para renegociação de dívidas rurais. No entanto, segundo o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), o repasse dos recursos ainda não chegou ao campo. Além disso, 93 municípios ficaram inicialmente de fora do programa por não terem declarado situação de emergência durante as enchentes, e apenas 56 foram incluídos após revisão.
Linha do tempo da crise rural no RS
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2022–2023: estiagens severas afetam a produção de soja e milho.
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2024: enchentes causam grandes perdas agrícolas em mais de 300 municípios.
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Setembro de 2025: governo anuncia MP 1314 com R$ 12 bilhões para renegociações.
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Outubro de 2025: safra 2025/26 é liberada, mas crédito e insumos ainda não chegam ao produtor.
Perspectivas
Especialistas alertam que, se o crédito continuar travado, o plantio de soja no RS pode encolher significativamente, afetando não apenas a economia estadual, mas também a balança comercial brasileira. A recuperação do setor depende, segundo analistas, da liberação urgente dos recursos e da flexibilização das condições bancárias.
Enquanto aguardam medidas efetivas, os produtores seguem tentando manter a produção “do jeito que dá”, confiando que o governo e os bancos públicos destravem as renegociações nas próximas semanas. Caso contrário, o sofrimento no campo gaúcho seguirá sendo o retrato da combinação devastadora entre mudanças climáticas, endividamento e burocracia financeira.