Por: Diego Franzen – Escritor e jornalista
Se o anjo da morte aparecesse hoje, assim, sem avisar, sem mandar mensagem antes, sem nem pedir licença, e dissesse:
“Me dá só uma razão pra não te levar agora”.
Eu não ia correr pra pedir tempo. Quem corre por medo, morre devendo. Também não ia dizer “ainda tenho muitos planos”, porque isso ele escuta todo dia. O anjo já está entediado de ouvir promessa de vida saudável e projeto de startup.
Não. Eu encararia. Respiraria fundo. Pensaria nos últimos dias.
A poucos dias, um problema pessoal desses que não se posta em rede social, me obrigou a visitar regiões sombrias da alma.
Medo, dúvida, silêncio. E nesse breu, onde as máscaras escorregam e sobra só o que é verdadeiro, apareceram eles. Os Justos e Perfeitos.
Os poucos. Os essenciais.
Aqueles amigos que não vêm com receitas prontas ou emojis motivacionais, mas com presença. Que sentam contigo na escuridão sem acender a luz, só pra ficar junto. Que escutam teu desabafo atravessado e ainda dizem “tô aqui”.
É por essas pessoas que eu diria ao anjo:
“Me deixa mais um pouco. Porque eu sou necessário”.
Não no sentido narcisista da coisa. Eu sei que o mundo vai continuar girando se eu sumir.
Mas há gente que sentiria.
Gente que talvez não saberia colocar em palavras, mas que ia carregar o silêncio da minha ausência com algum peso.
E no meu velório, fica avisado desde já: nada de música ambiente brega, nem coral desafinado cantando “conheci um grande amigo”. Se for pra se despedir de mim, que seja com “Fairy Tale” do Shaman tocando alto, ou com alguma sinfonia sombria de Mahler. Só rock ou música erudita. Emoção, sim, mas com dignidade estética.
E quero choro.
Muito.
Nada de “ele não queria ver ninguém triste”. Quero ver lágrima escorrendo, gente fazendo textão, stories em preto e branco, figurinha de luto no grupo da família. Quero comoção. Quero prova de que mesmo sendo pó, eu deixei pegada.
A vida, afinal, é uma oportunidade alquímica. A chance de transformar chumbo em ouro. Não ouro de joalheria, mas aquele que se encontra nos olhos de quem a gente ama quando percebe que a gente ainda está ali.
A gente vive correndo, colecionando compromissos, esquecendo o essencial.
De dizer às pessoas que amamos o quanto elas são importantes. O quanto elas são necessárias.
Porque se não disser agora, depois vai ser tarde. E aí o que sobra é gente procurando médium no centro espírita, tentando psicografar desculpa.
Tentando aliviar a culpa por não ter dito “eu te amo” quando ainda era possível ouvir de volta.
A vida não é só pra ser vivida. É pra ser justificada.
E se o anjo insistisse, talvez eu dissesse:
Porque eu ainda quero ter a chance de ser melhor. De ser menos ausente, menos distraído, mais inteiro. Porque ainda não terminei de ser quem posso ser.
E talvez ele entendesse. Talvez ele me deixasse. Não por pena. Mas porque até ele sabe: alguém que tem consciência da própria incompletude é alguém que ainda está em obra.
E justo é não interromper uma obra que ainda tem luz por vir.