Por: Diego Franzen, Jornalista e Escritor
Em outros tempos — tempos de rebeldia pueril e alguma vaidade intelectual — eu dizia, em altos brados, que amava o inverno. Publicava frases grandiloquentes, exaltava o frio em odes e aforismos, glorificava as neblinas e as manhãs de geada como se fossem metáforas superiores de uma existência refinada. Era, reconheço, pelo puro deleite de ser do contra. De não ser igual a todos. De rir da vulgaridade suada do verão e proclamar, entre taças de vinho tinto, que o frio é que era a estação dos fortes, dos estetas, dos elegantes.
Mas os anos passaram. Vieram, como se deve, os problemas respiratórios — esses mimos que a genética e a poluição nos conferem sem aviso prévio. Vieram também dois filhos pequenos, cujas narinas entupidas, noites maldormidas e tosses persistentes me lembram, cotidianamente, que o frio, para além da estética, é também um flagelo.
E há, sobretudo, os outros. Aqueles a quem o inverno não permite nem mesmo o luxo da queixa, porque mal têm roupa para vestir. Nesta semana, morreu um homem, anônimo e invisível, vitimado pelo frio que eu outrora celebrava em minhas prosas vaidosas. Não ter empatia diante disso é, penso agora, uma forma grave de soberba. Falta de humildade, mesmo. A humildade de reconhecer que há realidades muito distintas das nossas, e que o frio, para muitos, é só sofrimento.
Me comove ver a UPA lotada — pais exaustos, crianças febris, idosos ofegantes — todos, como eu, tentando resistir ao inverno, não vivê-lo como idílio. Me desgosta ter que sair agasalhado até a imobilidade, embora admita que, nesse estado de múmia vestida de lã, até pareçamos mais elegantes, como gostam de dizer os defensores dessa estação.
Concedo: gosto da sopa de capeletti. Gosto do vinho, evidentemente. E só. O resto é uma sucessão de desconfortos: o nariz que arde, os dedos enregelados, o vento que corta como lâmina.
Hoje, suporto com estoicismo 45 graus de calor, mas aprendi — e aqui registro, como quem assina um pacto público — que nunca mais reclamarei do verão. Que venham os mosquitos, as roupas grudadas, o suor nas costas e o sol impiedoso do meio-dia. Nada, absolutamente nada, se compara ao prazer simples de sair de casa com uma camiseta, de respirar sem dor, de ver as crianças correndo livres, sem o risco onipresente de uma bronquiolite.
É verdade que o inverno nos oferece belezas visuais: o céu cristalino das manhãs frias, as videiras adormecidas, a névoa delicada que repousa sobre os vales como um véu etéreo. E que, já que ele está aí — inevitável como são as estações e a passagem do tempo —, que ao menos sirva para impulsionar as belezas paisagísticas da serra mais bonita do mundo: a nossa, a gaúcha.
Mas faço aqui, também, um convite. Ou melhor: uma conclamação franca e sem rodeios, sobretudo para quem lê estas linhas de longe, de outros estados, quiçá de outros países. Ignorem, com a serenidade dos justos, os apelos de Gramado, com suas fachadas de cenografia europeia irritantemente belas. Mas tenho uma dica mais profícua. Visitem Bento Gonçalves. Bento é melhor. Bento é mais legal. É autêntica. Tem o vinho, claro, e tem também a alma verdadeira da serra, com sua gente afável, sua gastronomia que não precisa de artifícios e paisagens que não carecem de filtros.
Assim sigo, então, convivendo com o inverno, sem idolatrias tardias, sem aquelas frases altivas que publiquei um dia, mas com um olhar mais sóbrio — e, espero, mais humano. Afinal, envelhecer, entre tantas coisas, é também aprender que o conforto dos outros importa tanto quanto o nosso. E que, se o frio tem alguma beleza, ela reside menos na geada das manhãs e mais na solidariedade que ele, quem sabe, ainda é capaz de despertar em nós.
Tenho um amigo, Everton Furtado, que insiste — com aquela convicção serena de quem sabe que jamais mudará de opinião — que o inverno é a melhor das estações. E, para ser justo, ele tem lá suas razões: é curitibano. De Curitiba, que para mim é, sem dúvida alguma, a cidade mais linda do mundo. Uma beleza fria, contida, elegante, com seus parques impecáveis, suas ruas arborizadas e aquele ar de Europa deslocada no meio do Brasil. Mas também é preciso dizer: o curitibano, esse tipo humano fascinante, adora ser do contra. Não dá bom dia a estranhos, responde com monossílabos e cultiva, com disciplina, uma certa antipatia social que, no fundo, é só um escudo estético. Gente legal, no fim das contas — meio europeia, sem ter jamais precisado atravessar o Atlântico para sê-lo.
E já que o frio está aí, inclemente e democrático, atingindo a todos — mas sobretudo os que menos podem —, deixo aqui, sem qualquer hesitação, um chamado à solidariedade: participem da campanha do agasalho. Separem aquela blusa esquecida no fundo do armário, aquele casaco que já não aquece sua vaidade, mas que pode, muito literalmente, aquecer outra vida. O inverno, para quem tem, é paisagem e gastronomia; para quem não tem, é risco e dor. Que não falte a nenhum de nós a humildade necessária para reconhecer essa diferença e agir, com generosidade, enquanto ainda há tempo — e frio.