Por: Diego Franzen – Jornalista e escritor
Neste domingo, 8 de junho, completam-se seis anos da ascensão — porque sim, ascensão — de André Matos. Não se trata de uma efeméride qualquer. Trata-se de um marco. Um signo. Um lembrete de que até os deuses, vez ou outra, tomam forma humana e se apresentam entre nós para, depois, retornarem ao seu lugar de origem: o Éter.
E como negar? Quando André Matos partiu — e repito, partiu, pois não há na língua dos mortais palavra que exprima com justiça o que lhe aconteceu — o metal brasileiro perdeu não apenas seu mais notável artífice. Perdeu sua bússola. Seu arquétipo. Seu Logos.
Desde então, por mérito e por justiça, o dia 8 de junho é oficialmente o Dia Nacional do Heavy Metal. Por lei. Gravado em letra pública. Uma República inteira se curvou, enfim, à evidência de que o heavy metal também é cultura, também é patrimônio — e de que André Matos é seu maior patrono.
E não por acaso. Matos não era apenas um cantor. Era um sacerdote. Sua voz — esse instrumento quase sobrenatural, que desafiava as fronteiras da tessitura e do verossímil — era uma invocação. Quando entoava os versos de “Carry On”, não apenas cantava: convocava. Quando surgia “Fairy Tale”, não narrava: encantava. Com “Carolina IV”, criava epopéia. Em “Stand Away”, despia a alma. E “Holy Land”… ah, ali ele erguia um império espiritual inteiro, feito de sons, memórias e identidades esquecidas.
Mas houve também aquele momento — singular, ígneo, quase herético — em que ousou cantar “Wuthering Heights”, de Kate Bush. Uma empreitada vocal que, a rigor, ninguém deveria sequer tentar. Mas ele tentou. E superou. Transcendeu. Com sua versão, o que era lamento gótico virou invocação celestial. A colina uivante passou a ser o Monte Parnaso.
O Angra não foi apenas a banda que o lançou ao panteão internacional. Foi a pedra filosofal que ele mesmo lapidou, misturando o peso do heavy metal europeu ao lirismo das harmonias brasileiras e ao rigor técnico da música erudita. Álbuns como “Angels Cry”, “Holy Land” e “Fireworks” são mais que registros fonográficos: são atos fundadores, marcos que reconfiguraram a geografia musical não só do Brasil, mas do mundo. Cada riff, cada arranjo coral, cada solo, carrega o DNA desse maestro que ousou propor que o Brasil não só podia, mas devia dialogar com as tradições mais sofisticadas do Ocidente.
E depois, como quem muda de instrumento, André Matos criou o Shaman — um projeto que, à maneira dos antigos ritos iniciáticos, misturava ocultismo, espiritualidade e virtuosismo musical. O álbum “Ritual” não é apenas um disco: é uma missa pagã, uma invocação às forças ancestrais, em que cada música parece um chamado às partes mais profundas e primitivas da alma humana. No Shaman, Matos deixou claro que não queria apenas fazer música, mas propor experiências estéticas totais, que transcendiam o mero entretenimento e se aproximavam do rito e da catarse.
Ao vivo, tanto no Angra quanto no Shaman, André Matos era mais que um frontman: era um hierofante, um revelador dos mistérios. Sua presença em palco, elegante, contida e ao mesmo tempo profundamente magnética, evocava menos o estereótipo do rockstar e mais a figura do maestro romântico, que rege não apenas músicos, mas emoções, pulsações, destinos. Cada apresentação era um ato performático total, em que o público não assistia: participava.
Quem era André Matos? Era Orfeu, que desceu aos infernos da indústria cultural e voltou trazendo harmonia. Era Prometeu, que roubou o fogo do conhecimento musical e entregou ao povo — mesmo que isso lhe custasse a paz. Era Apolo, regente solar de nossas noites emocionais. Mas era também um de nós. Um menino que amava piano. Um adolescente que acreditava que o Brasil podia, sim, produzir grandiosidade. Um homem que jamais aceitou a mediocridade como destino.
E então ele se foi — non moritur, apenas partiu para onde a música é eterna. E nós, que ficamos, temos como missão recordar. Reverenciar. E, sobretudo, continuar.
Neste domingo, quando o ponteiro marcar a oitava volta sobre o oitavo ano desde sua partida, ergamos nossos copos, nossos fones, nossos corações. Ouçamos seus álbuns não com nostalgia — mas com reverência. Com fervor. Porque lembrar André Matos é lembrar que o Brasil, em sua noite mais escura, já teve um filho que brilhou como mil sóis.
E que, enquanto houver alguém para ouvir, ele não terá deixado o palco.